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domingo, 24 de junho de 2007

'Renan intimidou senadores e teve oposição fácil'

Entrevista do deputado Fernando Gabeira publicada hoje no Estadão:

Como tipificar a pior irregularidade cometida por Renan?

Aconteceu uma sucessão de irregularidades. A primeira foi ter uma relação tão confidencial com um lobista, que detinha segredo importante dele, que, como presidente do Congresso, dirige a votação do Orçamento que direciona recursos que interessam à empresa do lobista. A segunda foi que apresentou ao Conselho de Ética uma relação de documentos que foram desmentidos. Mentiu com documentos. A terceira foi fazer reuniões e controlar pelo telefone os debates no conselho que está julgando seu caso - enquanto ele continua na presidência do Senado.

Por que os partidos colocaram no Conselho de Ética do Senado os amigos do rei, em lugar dos parlamentares mais respeitados?

Os senadores mais importantes foram afastados. Entraram os suplentes, que não têm voto e que, por isso mesmo, estariam menos infensos à pressão da opinião pública.

E o que mais Renan fez de errado?

Em primeiro lugar, usou os suplentes. Segundo, ameaçou usar as confidências que detém, no sentido de intimidar. Há senadores que estão intimidados - aquela coisa do “eu não caio sozinho”. Terceiro, a oposição de hoje não tem as mesmas características da oposição de antes e é muito mais voltada para o acordo e a conciliação do que para o combate.

Não há uma fórmula para montar um Conselho de Ética sem o crivo das lideranças partidárias e da Mesa do Senado?

Foram feitas muitas tentativas. Uma delas foi levar a escolha do conselho para o plenário. Não conseguimos vencer. Mas é importante registrar que participar do conselho traz muitas dificuldades. Se você se dispõe a julgar pessoas com quem convive, começa a atrair uma certa hostilidade, a ser criticado por supor que seja melhor que os outros. O papel do parlamentar que participa do Conselho de Ética, num espaço em que a ética está sujeita a interpretações muito elásticas, é sempre incômodo.

O sr. se sente incomodado?

Na verdade, eu não exijo tanto. Eu procuro entender aquelas questões em que sinto que a imagem e a legitimidade do Congresso estão em jogo. Procuro evitar aqueles momentos que, no meu entender, conduzem ao suicídio institucional.

Julgar rapidamente os parlamentares acusados de corrupção é possível ou essa é uma discussão inútil?

Não considero que seja uma discussão inútil. Nós temos um caminho, a Frente contra a Corrupção, e há projetos, a serem apresentados, que vão dificultar a corrupção ou reduzir a impunidade. Mas dentro do Congresso a única forma que nós temos para equilibrar o jogo é o apoio da opinião pública. Veja você: dos 72 acusados na CPI do Sanguessugas, apenas 5 foram reeleitos. A bancada dos evangélicos foi reduzida em 50%, não porque fossem evangélicos, mas porque se envolveram com o caso dos sanguessugas.

De toda forma, a dissociação entre o Congresso e a sociedade é espantosa. O que pode aproximar os dois, de uma forma efetiva?

A sucessão de escândalos vai produzir mais comoções. Vejo essas comoções como expressões de um movimento contínuo que tende a produzir um resultado. Por que nós achamos que o Brasil é tão grotesco? Por que os caras (acusados) da Operação Navalha parecem os Irmãos Metralha? Porque as instituições melhoraram, a tecnologia avançou, os mecanismos de controle se aperfeiçoaram e a mídia é mais atuante. A contradição entre o Brasil moderno, que amadureceu, e o sistema político apodrecido fica mais dramática e exige uma solução. A única dificuldade é que as modificações do sistema político dependem dele mesmo. Os reformadores têm interesses que estão em jogo na reforma. Isso vai determinar limites.

O senhor, que nunca se meteu num “rolo”, consegue explicar por que os políticos se metem em tantos “rolos”?

Nossos políticos sempre foram, de alguma maneira, complicados. Mas, como os mecanismos de controle avançaram, está existindo um novo tipo de comportamento. Na verdade, o caso de Renan é o mais típico dos “rolos” brasileiros. Se você abstrair a questão sentimental, sexual, e examinar o que se passa entre eles, vai ver que o problema do político brasileiro é que ele enriquece ganhando um salário muito pequeno. E normalmente enriquece anexando a seu patrimônio pessoal a riqueza do Estado. Muita gente que entra na política brasileira hoje, entra com interesse de enriquecer.

Os políticos brasileiros de hoje são tão corruptos quanto os de antigamente?

A capacidade de investigação aumentou. Nos anos 50 não havia capacidade de interceptar ligações telefônicas como há hoje, não havia capacidade de filmar como hoje, não havia internet para fazer conexões entre o que se declara e o que se denuncia. Os mecanismos de controle é que evoluíram.

A internet parece ter-se tornado hoje o grande mecanismo de controle e investigação.

Acho que sim. É um grande mecanismo para reduzir os custos da governança e para controlar a governança através da transparência.

A corrupção na política brasileira é igual, maior ou menor que nos outros países democráticos?

Na Europa e nos Estados Unidos a corrupção é mais administrável. Lá, o sistema eleitoral é implacável com quem comete deslizes. É muito raro a pessoa voltar à cena depois de um processo de corrupção. Isso já acontece aqui no Rio Grande do Sul. Lá a impunidade é muito menor. O problema é o foro privilegiado, que dificulta muito punições. Todos os processos ligados a políticos vão para o Supremo Tribunal Federal. Isso significa absolvição.

Nos últimos 20 anos o Brasil viveu seu período democrático mais franco. O Congresso nunca teve tantos representantes populares. No entanto, nunca houve tantas acusações de corrupção. Como explicar essa contradição?

Não existe contradição entre os avanços da democracia e aumento da corrupção. Quando a democracia avança, os mecanismos de representação se ampliam. Temos hoje no Congresso uma representação muito mais diversificada, às vezes beirando o folclore. Não podemos pensar numa melhoria da representação como o único horizonte positivo. Pessoas com tendência à corrupção virão sempre, e em número cada vez maior. Temos de reduzir as possibilidades de que elas se corrompam. Em vez de mudar as pessoas que estão chegando, vamos eliminar as probabilidades de elas se corromperem.

Qual a relação entre corrupção e o tamanho da máquina do Estado?

De um lado, nós temos instituições que avançam e um sistema político apodrecido. Essa contradição se entrelaça com outra, que é o fato de a máquina do Estado ser muito grande e se tornar um obstáculo ao desenvolvimento. Em termos de legitimidade, é importante combater a corrupção e, também, reduzir e tornar mais eficaz a máquina do Estado. A dificuldade é que as pessoas capazes de promover essa redução hoje são as principais interessadas na não-redução.

Invasões de prédios públicos e de terras, greves no serviço público, caos dos aeroportos, invasões em universidades. Não está passando dos limites?

Existem limites para essas manifestações. A greve do Ibama é contraditória. Não se pode defender o meio ambiente e, simultaneamente, abandonar a gestão da área. A invasão de Tucuruí pelo movimento barrageiro é perigosa para o País. A invasão da reitoria da USP é uma forma de atuação política equivocada. Estou disposto a discutir a greve no serviço público. Disseram que estou me transformando num reacionário. Não sei se é reacionário quem defende o Estado de Direito. Houve um momento em que defendi a ruptura, não com o Estado de Direito, mas com o sistema ditatorial. Mas uma vez implantado o Estado de Direito, meu compromisso é com ele, já que não sou mais socialista nem pretendo derrubar o capitalismo.

É contraditório um partido ter, na oposição, estimulado todo tipo de protestos de servidores e, ao chegar ao poder, elaborar um projeto contra greve de servidores?

Existe essa contradição. O governo vai ter que se definir. Muitos quadros do governo têm simpatia por esses movimentos; o governo é agradecido a esses movimentos, que o colocaram no poder. Mas o governo tem de admitir que foi colocado no poder para gerir o capitalismo, e não para fazer uma transição para o socialismo. É este o acordo tácito que foi feito. Então, ele tem de ser o guardião do Estado de Direito. Se ele não fizer isso, quem vai fazer?

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