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terça-feira, 29 de maio de 2007

Um país condenado a viver à beira do abismo


Charge do El País

Josias de Souza, no Blog do Josias

Há anos que a política brasileira caminha em direção a um metafórico fundo do poço. Tem-se uma vaga visão do que seria uma democracia irremediavelmente conspurcada. Mas prefere-se não pensar nos efeitos da encrenca no cotidiano pacato dos brasileiros que financiam o funcionamento do Legislativo, do Executivo e do Judiciário.

Imagina-se o fundo do poço como algo parecido com o inferno. Um lugar que todos sabem insuportável. Mas que ninguém deseja conhecer para saber, em detalhes, como funciona. As pessoas se apegam ao fato de que a frágil democracia brasileira já roçou várias vezes o fundo do poço. E nem por isso o brasileiro médio deixou de tomar o café da manhã, almoçar, jantar e assistir à novela das oito antes de enfiar-se sob os lençóis.

Assim, o Brasil vai adiando, brasileiramente, o seu encontro com o fundo do poço definitivo. Quando se imagina que o lamaçal terminal e irremediável foi tocado, um novo escândalo irrompe em cena para informar à nação que o percurso rumo às profundezas do lodo ainda terá novas escalas.

Ao fundo do poço da fisiologia à Sarney, sobreveio o fundo do poço do Collorgate, que foi seguido pelo fundo do poço dos anões do orçamento, que foi anulado pelo fundo do poço das privatizações trançadas “no limite da irresponsabilidade”, superado pelo fundo do poço da compra de votos da reeleição, humilhado pelo fundo do poço da Sudam, vencido pelo fundo do poço da violação do painel do Senado, suplantado pelo fundo do poço do mensalão, derrotado pelo fundo do poço da quebra do sigilo do caseiro, sobrepujado pelo fundo do poço do dossiêgate, ultrapassado pelo fundo do poço da compra de sentenças judiciais, enterrado pelo fundo do poço do propinoduto da Gautama, excedido pelo fundo do poço da suspeita de que um lobista de empreiteira bancaria as despesas do presidente do Senado...

A esperança de que o fundo do poço possa ser, convenientemente, adiado ao infinito faz do país o que ele é hoje, uma nação à beira do abismo eterno. Sonega-se o imposto sob o pretexto de que ele será roubado; reelegem-se corruptos sob a justificativa de que é tudo farinha do mesmo saco; desrespeitam-se as leis de trânsito sob o argumento de que ninguém as respeita; tolera-se o subemprego sob a falácia de que ele é conseqüência natural do processo econômico e, afinal, é preferível ao assalto a mão armada; etc, etc, etc...

A cada novo fundo do poço, ouvem-se as vozes do “corte na própria carne”, do “doa a quem doer”. A cada nova onda de lama, afirma-se que, dessa vez, a apuração chegará às “últimas conseqüências”. No fim, acaba-se chegando às últimas conseqüências. Há casos em que os culpados são identificados. Alguns chegam mesmo a virar réus em processos judiciais. E terminam rebatizados com nomes bem conhecidos. Todos pendentes da árvore genealógica da família Conseqüência. Os mais notáveis são o “Descaso Conseqüência dos Anzóis” e a “Impunidade Conseqüência dos Caracóis”.

Nesse interminável adiamento do fundo do poço apocalíptico, o brasileiro habituou-se a conviver com o inaceitável. Não se sabe ao certo se a nova crise política que revolve os subterrâneos da promiscuidade nacional empurrará o país, finalmente, para o abismo. De uma coisa, porém, não há dúvida: quem está cavando o buraco é a sociedade. Vale-se de uma enxada conveniente. A enxada da inércia.

Pitaco RA: Sensacional! Perfeito!! Definitivo!!! Uma aula magna sobre o Brasil democrático e corrupto em sete parágrafos. Grande Josias!

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