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sábado, 4 de novembro de 2006

A verdade sobre a queda do avião da Gol

Otacílio Rodrigues, redator ocasional do Resende Agora

Desde que postei aqui no RA o relato do jornalista americano que estava no jatinho Legacy que derrubou o Boeing da Gol, tinha certeza absoluta da inocência dos pilotos americanos. Não que me baseasse em evidências, já que elas demoraram muito a aparecer. Minha cisma sempre foi em cima da forma truculenta que nossas autoridades - civis e militares - conduziram o caso desde o início, retendo o jatinho na base aérea da Amazônia (onde pousou depois do choque com o Boeing) e confiscando os passaportes dos pilotos americanos, impedindo-os de retornar ao seu país.

Para o Ministro da Defesa, autoridades em geral, políticos de todos os partidos e, até, jornalistas muitíssimo bem informados, os jovens pilotos americanos eram os únicos responsáveis pela tragédia que matou 154 pessoas e chocou o país há pouco mais de um mês. Sebastião Nery escreveu um artigo irado na Tribuna da Imprensa, acusando Joe Lepore e Jan Paladino de estarem fazendo acrobacias sobre a floresta amazônica no momento do choque. O Ministro Waldir Pires, por sua vez, chamou o jornalista Joe Sharkey de leviano por ter declarado nos EUA que o controle de vôos no Brasil era caótico. Outros patriotas lembraram que controle de vôos caótico era o americano, que não conseguiu impedir os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

Ontem, finalmente, a FAB reconheceu que o erro foi cometido justamente por um controlador de vôo de São José dos Campos (o ponto de partida do Legacy novinho em folha), que orientou os pilotos americanos a manter a fatídica altitude de 37 mil pés até Manaus, sem mencionar que, a partir de Mato Grosso, eles deveriam subir para 38 mil pés, o que evitaria o choque com o avião da Gol, que vinha em sentido contrário voando também a 37 mil pés. Além disso, a culpa pela tragédia pode estar ainda no Centro de Controle de Área de Brasília, que é quem aprova ou não os planos de vôo dos aviões que partem de São José dos Campos.

O problema é que as autoridades já tinham conhecimento desses fatos há muito tempo. Se não, porque vários controladores de vôo de Brasília abandonaram os seus cargos logo depois do acidente, desencadeando um movimento na categoria por melhores condições de trabalho, reajustes salariais, aumento de pessoal qualificado, etc, que é a origem da imensa bagunça que tomou conta dos aeroportos brasileiros nos últimos dias? Outra coisa: a demora na apuração do caso sempre foi atribuída à dificuldade de se encontrar a caixa-preta do Boeing da Gol e do longo prazo requerido pelo Conselho de Segurança dos Transportes do Canadá (TSB) para transcrever os diálogos entre o piloto americano e os controladores brasileiros.

Pois bem. Segundo matéria publicada ontem na Folha Online, a chave do mistério está - quem diria? - aqui mesmo no Brasil, gravada nas fitas da torre de São José dos Campos, e que vem a ser a equivocada - e criminosa - instrução transmitida ao Legacy de voar a 37 mil pés até Manaus. E aí vem a pergunta que não quer calar: se as autoridades já conheciam o culpado (ou os culpados) desde o início, por que então prender (não consigo encontrar um termo melhor) em solo pátrio os dois pilotos americanos, que estão - há 35 dias! - à disposição da Justiça (ual!) brasileira? E o Legacy, por que continua retido na base aérea da Amazônia, supostamente intocado para não atrapalhar as investigações?

Alguém já disse que se a crise nos aeroportos tivesse acontecido antes das eleições, não seria tão fácil para o Lula dar a surra que deu no Geraldo. E se, logo depois do acidente, a culpa recaísse sobre os controladores de vôo brasileiros, levantando questões que hoje estão na boca do povo, como a rotina estressante, o número reduzido de profissionais qualificados e, principalmente (já que é a origem de tudo), os baixos salários da categoria, tudo isso não poderia prejudicar a campanha pela reeleição, já que o país estava traumatizado pela maior tragédia da aviação brasileira de todos os tempos? Isso posto, é justo supor que quando o presidente retomar o trabalho (uaaalll!) na próxima segunda-feira, uma de suas primeiras medidas será devolver os passaportes aos pilotos americanos, já que eles não representam mais nenhum risco à reeleição.

Estes são os fatos. Estas são as perguntas que, muito provavelmente, ficarão sem resposta. Pelo menos, sem resposta oficial, já que isso significaria reconhecer erros de avaliação, erros na condução do caso, erros na política de formação e valorização do setor de controladores de vôo e, principalmente, muitos pedidos de desculpa. No mínimo, 154 pedidos de desculpas aos familiares das vítimas do descaso das autoridades que deveriam zelar pela segurança dos aviões que cruzam diariamente os céus desse imenso - e caótico, como diria o jornalista Joe Sharkey – Brasil, ao invés de defender os interesses sujos da política.

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