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segunda-feira, 20 de março de 2006

O trágico destino dos falcões

Da Agência Carta Maior

Exibido ontem no Fantástico, o documentário “Falcão – Meninos do Tráfico” manteve em estado de choque, por mais de uma hora, muitos milhões de lares brasileiros. Foi uma descarga de realidade sem precedentes na televisão brasileira, talvez mundial. A vida dos garotos que vigiam os pontos de tráfico das favelas é desumana. “Falcão parece um passarinho que não dorme à noite”, diz o garoto com a imagem do rosto desfocada para evitar a identificação. Arma pesada na mão, ele aparenta ter 14 ou 15 anos.

Os falcões aparecem aos bandos no documentário. Dos mais jovens até o que acaba de fazer 18 anos e não sabe o que fará quando tiver de sair da boca. Quando o rapper MV Bill pergunta ao garoto - que não deve ter mais que 11 anos - o que ele quer ser quando crescer, a resposta vem rápida, sem vacilação: “Quero ser bandido”. No outro extremo, o Falcão que sente a falta da mãe chora ao lembrar que desde pequeno queria ser palhaço. A mãe prometia levá-lo ao circo, mas nunca conseguiu cumprir. “Eu queria é ser palhaço. É meu sonho desde pequeninho. Se conseguisse entrar em uma escola de circo, saía da boca agora”.

São inúmeras as imagens e depoimentos chocantes do documentário:

Sobre as drogas
"Isso aqui destrói a vida do homem. Destrói o cara que ele não vira nada. Mas é dele que nós ganha dinheiro".

Sobre a polícia
"Se acabar o crime, acaba a polícia. Porque quem dá dinheiro pra polícia somos nós. Se acabar o tráfico de drogas eles vão ficar massacrados".

Sobre a favela
"A realidade da vida é que o bagulho é doido. A realidade da favela é que o bagulho é doido".

Sobre o governo
"Sou um cara que nem era pra tá aqui. Mas isso aí é o que o governante quer. Não liga pra nada".

Sobre as mães
"Eu trafico pela minha mãe. Minha mãe fez tudo por mim, agora tenho que fazer alguma coisa por ela".

Sobre os pais
"Não conheci meu pai, não sei se tá vivo ou se tá morto. Tenho 17 anos e, até hoje, nunca tive um aniversário. Ninguém fez um aniversário pra mim".

Sobre a morte
"Se morrer, nasce outro que nem eu, pior ou melhor. Se morrer, vou descansar".

O documentário feito por MV Bill e seu produtor, Celso Athayde, choca pela realidade crua. Mas choca mais pela constatação de que esse câncer da sociedade brasileira não terá fim. A mãe chora a morte do filho, que morreu quase menino, mas deixou outra criança no mundo. Quem sabe para substituir outro Falcão daqui alguns anos. A outra mãe conta aflita como o filho que ainda não completou 3 anos de idade já conhece a realidade do tráfico: “Ele sabe o que é fuzil, o que é maconha, diz que é pó de cinco, pó de dez”.

"Falcão – Meninos do Tráfico" é um filme produzido pelo centro de audiovisual da Central Única das Favelas (CUFA), onde vários outros são filmados e editados por jovens das comunidades. Pronto desde 2003, chegou a ser anunciado na Globo nesse mesmo ano. No entanto, dias antes da exibição, MV Bill e Celso Athayde suspenderam misteriosamente a autorização, alegando motivos pessoais. A atitude provocou especulações. Chegaram a desconfiar de que eles tinham sido ameaçados por chefes do tráfico. Também se comentou na época que haveria um interesse comercial da Columbia Pictures nas imagens cedidas à TV Globo.

"É um filme feito sem apoio de ninguém. O João Moreira Salles (diretor do documentário Notícias de uma Guerra Particular) e o Fernando Meirelles (diretor do filme Cidade de Deus) são ricos, mas conseguem dinheiro para fazer o filme que quiserem, e com recursos da lei de incentivo à cultura, que são recursos de toda a sociedade. O jovem da Cidade de Deus não consegue o mesmo incentivo para contar a sua história. Os cineastas ficam ricos e depois vêm ganhar dinheiro com nossa própria miséria. Não dá para ficar trocando nossos sorrisos cheios de cárie por bala Juquinha. Contrapartida social não é dar um R$ 1 milhão para o João Moreira Salles fazer um filme e depois dar R$ 200 mil para a favela ver o filme de graça. É dar condição para ele fazer o filme dele e para nós fazermos o nosso", diz o produtor - e ex-menino de rua - Celso Athayde.

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2 Comments:

At 21/3/06 11:06, Anonymous Anônimo said...

Oi, Otacílio.
Não assistí ao filme no "Fantástico", pois estava sem tempo (?). Entretanto, essa matéria que você postou é muito interessante, por ser verdadeira e por mostrar a verdadeira imágem do Brasil atual; aquela que não sai em todos os jornais. Infelizmente ela é bem antiga e sempre será atual porque não são tomadas providências sérias para muda-la.
Abração para todos daí.

 
At 22/3/06 18:21, Anonymous Anônimo said...

É, como bem disse um dos falcões, a realidade da favela é que o bagulho é doido! Outro abração.

 

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