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sábado, 25 de março de 2006

Estupro constitucional

Trecho de matéria da revista Veja

O ministro Antonio Palocci pode ficar no governo até amanhã. Ou depois de amanhã. Ou até 31 de março, o último prazo para os candidatos na eleição de outubro deixarem seus cargos públicos. Ou até 31 de dezembro, quando termina o mandato do presidente Lula. Mas desde as 20h50min25s do dia 16 de março, uma quinta-feira, o ministro Antonio Palocci começou a perder aceleradamente as condições – políticas, éticas, administrativas – de manter-se no cargo de ministro da Fazenda do Brasil.

Naquela hora daquela quinta-feira, os computadores da Caixa Econômica Federal, banco estatal sob o comando do Ministério da Fazenda, foram bisbilhotados ilegalmente para emitir um extrato da conta bancária de Francenildo Costa, o caseiro que disparou um petardo contra o ministro ao jurar "até morrer" tê-lo visto "dez ou vinte vezes" no célebre casarão do Lago Sul onde a turma de Ribeirão Preto se esbaldava em festas e negócios.

A quebra do sigilo bancário do caseiro, praticada com o intuito de defender Palocci e desqualificar seu acusador, é um estupro constitucional como poucas vezes os governantes ousaram cometer no Brasil. O resultado da ação é um vendaval ainda em formação mas que já pode ser considerado o pior escândalo do governo depois do mensalão.

Pior do que roubar dinheiro público e, com ele, comprar a cumplicidade, o silêncio ou o apoio de deputados no Congresso? Sim, pior. Quebrar o sigilo bancário de um inocente para amedrontá-lo e impedir que continue acusando um potentado é mais grave constitucionalmente do que cada uma das ações miúdas reunidas sob o rótulo de "mensalão". Este foi orquestrado em cima, mas executado por asseclas secundários em operações de ilegalidade presumida porém não flagrante. Ou pelo menos não flagradas em pleno vôo.

O sigilo do caseiro foi quebrado por um braço do Estado que se colocou a serviço dos interesses de um grupo político. Essa ação desperta os mais sombrios presságios sobre os atos autoritários que ainda podem vir por aí. "Quem faz isso faz qualquer coisa", diz Paulo Brossard, de 81 anos, ex-ministro da Justiça e membro da galeria dos grandes juristas do país. "A violação do sigilo tem caráter absolutamente ilícito, irregular e intolerável. É uma afronta ainda mais grave à lei porque parece envolver autoridades que deveriam conhecer minimamente seus deveres cívicos e públicos."

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