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terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

Tortura em nome da liberdade

Da Der Spiegel, publicado no UOL Mídia Global

As novas fotos da prisão de Abu Ghraib gelam o nosso sangue. Nos tiram o fôlego. Revolvem o nosso estômago. São espécies de fotos que nos fazem indagar que tipo de seres humanos faria tais coisas com outros seres humanos.

Elas provocam raiva, repulsa e vergonha. Uma das fotos mostra um prisioneiro ensanduichado entre duas macas, como se fizesse parte de uma propaganda perversa de hambúrguer. Em outra foto, um detento desorientado, com o corpo untado com uma substância não identificada, caminha tropegamente por um corredor da prisão. Uma terceira imagem mostra um homem encapuzado aguardando indefeso que alguém o retire de um banco, tendo fios elétricos presos ao corpo.

E há várias outras fotos, todas elas mostrando prisioneiros sendo deliberadamente humilhados para deleite dos seus captores; homens desnudados e obrigados a ficar em uma postura de submissão. Mas não se trata só de humilhação - as fotos também mostram dor física.

Em uma delas, um soldado norte-americano se ajoelha sobre as costas de um prisioneiro iraquiano nu. Ao lado, uma poça de sangue indica a violência do tratamento recebido pelo detento. Em uma outra, um prisioneiro se curva profundamente, como se fosse um lacaio, em frente a um oficial militar norte-americano: é "A Cabana do Pai Tomás" no Oriente Médio.

Mais uma vez, imagens da prisão Abu Ghraib ficam marcadas na memória coletiva do mundo, o legado chocante de uma superpotência que se descontrolou - ícones de vergonha para os Estados Unidos. Elas se transformarão nas imagens que as futuras gerações associarão à guerra no Iraque, assim como a foto de um chefe policial pró-americano de Saigon apontando uma pistola para a têmpora de um guerrilheiro vietcongue, com o dedo prestes a puxar o gatilho, se tornou um símbolo da Guerra do Vietnã.

Pouco relevante é o fato de as fotos até então não publicadas da prisão Abu Ghraib, tiradas em 2003 - cerca de 24 delas - serem apenas variações de temas familiares. Também não importa que pelo menos alguns dos perpetradores - foram poupados os oficiais de alta patente - já tenham sido levados a julgamento em tribunais militares nos Estados Unidos.

Assim como as suas predecessoras, estas novas fotos contam com o poder para gerar uma dinâmica própria, o que faz delas o perfeito instrumento de propaganda para adversários ideológicos.

A batalha das imagens

Se Washington tivesse conseguido controlar os fatos como planejava, imagens inteiramente diferentes viriam a simbolizar a campanha dos Estados Unidos contra o ditador iraquiano Saddam Hussein.

A imagem da derrubada da enorme estátua de Saddam em Bagdá, por exemplo - o símbolo ideal da queda do ditador. E depois a triunfante aparição televisiva do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, a bordo do porta-aviões "Abraham Lincoln", tendo atrás de si, orgulhosa e fotogênica, uma grande faixa com as palavras "Missão Cumprida".

Mas, naquele momento em que o presidente anunciava o fim das hostilidades no Iraque, uma insurgência iraquiana amarga e brutal estava apenas começando, uma resistência que uniu ex-oficiais do exército de Saddam Hussein a combatentes estrangeiros da Al Qaeda.

As imagens vitoriosas foram rapidamente eclipsadas. Até mesmo o julgamento do ex-ditador surge como uma farsa nos dias de hoje, apesar de todos os esforços no sentido de que o acontecimento transmita uma impressão de lei e ordem.

A batalha pelos corações e mentes dos iraquianos pode provavelmente ser contabilizada como uma derrota - a incapacidade de suprir para todos serviços que são necessidades básicas, como eletricidade e água potável - representa um grande fiasco para as forças armadas dos Estados Unidos.

Os atentados suicidas a bomba e os seqüestros diários atingem principalmente os iraquianos comuns. Para muitos deles, a vida agora é mais difícil do que durante o regime de Saddam Hussein. As forças armadas norte-americanas também estão sofrendo. As baixas aumentam quase que diariamente. O número de soldados norte-americanos mortos chegou a 2.272 na última sexta-feira.

E agora os norte-americanos perderam também a batalha das imagens.

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1 Comments:

At 22/2/06 08:08, Anonymous Anônimo said...

Oi, Otacílio.
Como é que um povo que diz ser do país da liberdade e da ordem pode eleger um estado de coisas como o que se vê nos EUA através do procedimento e atitudes do seu exército em constante e humilhante estado de guerra em diversas frentes?

 

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