RA completa 13 anos no AR

segunda-feira, 5 de setembro de 2005

O grito

Crônica de Frei Beto, publicada hoje na Folha Online

Vestida de preto, a mulher está sobre a ponte. Traz o rosto entre as mãos e de sua boca ovalada brota o desespero. Clássico do expressionismo, "O Grito" (1893), do pintor norueguês Edvard Munch, traduz o horror, a solidão, o impasse (a ponte une pólos opostos, mas nem todos conseguem ir de um lado a outro).

O lema do 11º Grito dos Excluídos, promovido em 7 de setembro pela Igreja Católica e movimentos sociais, evoca uma decepção: "Brasil: em nossas mãos, a mudança". A esperança foi depositada em mãos do governo Lula. A política econômica não mudou. Conquista estabilidade, aumenta o emprego formal, mas restringe investimentos públicos e privados. E, ainda que exitosas em seu caráter compensatório, as políticas sociais não alteraram as estruturas arcaicas, como a fundiária, que impedem a redução da desigualdade social.

Mudou, sim, infelizmente, o modo de fazer política de um núcleo dirigente do PT, que aprendeu com seus adversários históricos a trafegar pelo labirinto sórdido da corrupção.

Um novo projeto Brasil, não o das utopias e quimeras, mas consistente, viável, deve levar em conta o possível e não apenas o desejável. Projeto que os economistas do PT ficaram devendo, abrindo brecha à continuidade tucana no comando da política financeira, equivocadamente citada como econômica.

Um novo projeto Brasil implica rediscutir a relação entre partido, governo e Estado. Sem essa clareza, a promiscuidade entre as três instâncias envelhece precocemente qualquer projeto de mudança, como ocorreu no socialismo real.

Na tela de Edvard Munch, duas pessoas caminham ao fundo, em contraste com o desespero da mulher, em primeiro plano. Pode-se cruzar a ponte com serenidade e confiança quando se sabe aonde chegar.

Share

0 Comments:

Postar um comentário

<< Home